No entanto, se a criança assume insistentemente a postura em “W”, então esta preferência pode vir a gerar problemas não só ortopédicos, mas também em relação ao desenvolvimento motor normal.
A relação entre controle de tronco e o desenvolvimento das habilidades manuais pode não ser imediatamente visualizado, porém é verdadeiro e essencial para o planejamento da estratégia terapêutica em crianças com disfunção neuromotora. Este assunto é muito bem explorado no livro “exatamente no centro” da fisioterapeuta norte americana Patrícia Davies (leitura recomendada para todos que pretendem se aprimorar em fisioterapia neurológica). Neste sentido invoco o dogma fisioterapêutico: “Para se ter um bom controle distal é preciso ter boa estabilidade proximal”. Em outras palavras, para escrever, utilizar talheres, ou qualquer outra atividade que exija controle distal, é preciso que o tronco seja estável e ofereça boa sustentação aos músculos que vão movimentar o braço.
Assim, se uma criança varia suas posturas sentadas e desenvolve o controle postural de tronco, então esta boa estabilidade proximal irá oferecer um melhor controle dos membros superiores permitindo que elas manipulem livremente os brinquedos e desenvolvam suas habilidades manuais.
Isto explica aquela estória meio doida de que as pessoas que não engatinharam têm dificuldades em usar a tesourinha para cortar papel. Não sei se você já ouviu isso antes, também não sei se isso é uma verdade ou se é só mais um dos mitos e lendas da fisioterapia, mas se considerarmos que o engatinhar ajuda a fortalecer os músculos abdominais (proximais), me parece razoável assumir que esta lenda talvez tenha algum fundo de verdade.
Mas voltando ao assunto: Quando sentada em “W”, o centro de gravidade dificilmente ultrapassará a sua base de sustentação (a área ocupada pelo “W”), desta forma, os músculos do tronco terão pouco trabalho para manter o equilíbrio. Obviamente equilíbrio e estabilidade são coisas boas, no entanto, a instabilidade é essencial para desenvolver reações posturais e força nos músculos do tronco.
O problema é que o “W” é tão estável que não permite à criança exercitar seu equilíbrio, também limita as rotações de tronco e as transferências de peso laterais como aquelas que realizamos para alcançar um objeto.
Uma criança pode escolher sentar-se em “W” simplesmente por não ter de se preocupar com equilíbrio enquanto manipula um brinquedo. Entretanto esta também é uma postura muito conveniente para crianças com disfunção neuromotora, particularmente naquelas com hipotonia de base. Assim, crianças com síndrome de Down, diplegia, e também naquelas com mielomeningocele (devido à fraqueza de tronco) podem preferir sentar-se em “W” por causa de sua dificuldade natural em manter o equilíbrio de tronco.
Como resultado, ocorre um atraso nas aquisições de controle de tronco e equilíbrio devido ao não uso. Como a rotação de tronco está comprometida na postura em “W”, a orientação na linha média é afetada. Além disso, pela falta de transferências laterais e da capacidade de cruzar a linha média (levar a mão esquerda a alcançar um objeto no lado direito do corpo), a criança tende a usar a mão direita no lado direito do corpo e a mão esquerda no lado esquerdo do corpo, afetando o desenvolvimento da dominação manual.
Ponto de vista ortopédico
Quando sentada em “W”, os quadris encontram-se no limite a rotação interna, predispondo a criança a problemas ortopédicos futuros. Nesta posição anormal, o risco de luxação do quadril é preocupante. Além disso, esta posição anormal favorece a instalação de encurtamentos e contraturas musculares, particularmente nos isquiotibiais, adutores do quadril e tríceps sural.
A posura em "W" também pode afetar o desenvolvimento ósseo, favorecendo a anteversão da cabeça do fêmur e rotação interna da tíbia.
Quanto às crianças com disfunção neuromotora, bem, agora o buraco é mais embaixo, pois se forem crianças que já se acostumaram ao “W”, elas podem ficar muito inseguras e irritadas ao serem forçadas a assumir qualquer outra postura sentada. Neste caso, a ajuda dos pais é fundamental para desestimular o sentar em “W” em casa. Além disso, envolver a criança em atividades lúdicas manuais nas quais elas permaneçam em qualquer outra postura que não o “W” irá ajudar no desenvolvimento dos músculos do tronco e desenvolvimento do equilíbrio.